quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

O PAN-HISPANISMO (António Sardinha)

O grande clássico de António Sardinha... tão actual... tão necessário.
O PAN-HISPANISMO António Sardinha É a 12 de Outubro que passa a comemoração da descoberta da América pelas caravelas de Colombo. Já a Espanha consagrou este dia como o “dia da Raça” – como o dia da festa da sua civilização. Evidentemente que “raça” não toma aqui nenhum restrito significado étnico. Enche-se antes de um amplo sentido cultural e histórico em que Portugal e o Brasil cabem perfeitamente, sem ofensa aos seus velhos pergaminhos nacionalistas. Na verdade desde que a Espanha solenizando o 12 de Outubro, procura restaurar a antiga lareira espiritual em que se aqueceram e tomaram o ser os semeadores de tantos povos de além do Atlântico e que do outro lado do mar a grande madre ibérica encontra eco prolongado e caloroso, eu pergunto porque motivo, brasileiros e portugueses não hão de corresponder ao mesmo sentimento, incorporando-se na caravana de que de dia para dia vai engrossando? Um equívoco secular que hoje já mal resiste ao exame da inteligência, vincou um longo e doloroso divórcio entre as duas prestigiosas pátrias da Península. No entanto se escutarmos bem as vozes profundas da nossa tradição, logo veremos que as lutas de Portugal com Castela são lutas de família, que em família sempre se resolveram. Filha de portuguesa e como tal descendente do Mestre de Avis e do Santo Condestabre, Isabel-a-Católica venceu em Toro o seu primo Afonso V, que, por sua vez descendia de D. Juan I, - o monarca derrotado em Aljubarrota. Eis uma circunstância que vale como um símbolo, porque parece ditar-nos a regra de conduta em que Portugal precisa de inspirar o conceito das suas relações com Espanha. Houve –e ninguém o contesta – parêntesis de luto e sangue a cavarem separações que não deveriam deixar mais vestígios que os de uma proveitosa experiência. Mas, por sobre eles, dominadora como as verdades que por si próprias se impõem, resplandece a unidade moral duma civilização que, tendo na Península o seu berço original, é obra comum de espanhóis e portugueses. O engano foi supor-se que essa “unidade moral” exigia uma “consequente unidade política”, quando desde as indicações de geografia às indicações de história, naturalmente a Península se mostrava conformada à existência de dois estados – um, Portugal, aberto às influências do mar, o outro Castela, como estado mais territorial que marítimo, reservado, por conseguinte, para a conquista da hegemonia continental. De resto é o que sucede na época de mais fastígio para ambas as nacionalidades, com Carlos V e Filipe II dum lado, dispondo quase da sorte da Europa e com D. Manuel I e D. João III no pequeno canto lusitano fundando com poder naval aquele admirável império de que Os Lusíadas são a ressonância eterna. “Durante esse período, que é o de maior prosperidade e grandeza dos povos peninsulares, - escreve o malogrado Moniz Barreto -, a consciência da força própria suprime desconfiança e temores, e a identidade de aspirações e sentimentos cimenta as bases de uma aliança em que compartilhamos com a Espanha a hegemonia no Mediterrâneo ocidental e nos dois Oceanos”. Mas a lembrança de tão glorioso paralelismo não conseguiu evitar que espanhóis e portugueses viessem a conhecer a decadência e o esquecimento, quando tiveram verdadeiramente nas suas mãos os destinos do mundo inteiro. Ora inventariarei aqui o longo rosário de desgraças e humilhações que, tanto para portugueses como espanhóis, tem representado o seu criminoso desentendimento. Mutilada, dividida, a história da Península tornou-se como o lenço de Verónica, a sangrenta efígie da nossa alma – aplicando uma imagem inolvidável de Moniz Barreto – E, todavia, pela sua posição excepcional, senhora do estreito que devia ser o terraço lançado sobre as águas do Atlântico ao encontro da América, que missão não assinalou Deus à Península, se nós a quiséssemos e soubéssemos cumprir! Pois a hora presente é-nos, como nunca propícia! “ Na opinião geral – escrevia há já bastantes anos o general Rodrigues de Quijano -, só Espanha e Portugal pelos seus precedentes e índole especial de raça, podem chegar a ser o verdadeiro laço de união entre a Europa, a América e a África…”. Em sucintas palavras se condensa todo o futuro das duas partias peninsulares, se olhando para a frente com coragem e iniciativa, nos resolvermos a executar tão belo programa de acção, para o qual, antes de tudo se estabelece como primeiro passo, a necessária aproximação de Portugal e Espanha. Assim o desacreditado iberismo, de evidente marca maçónica e revolucionária, será vencido pelo peninsularismo cujas raízes na geografia e na história, exigem logo de entrada, como condição prévia, que a tolerância política e económica dos dois estados da Península seja integralmente respeitada. Mas o peninsularismo não é senão a jornada inicial! Na margem oposta do Oceano – do Oceano que tornámos algum dia como mare nostrum, num perfeito lago familiar -, outras pátrias existem que falam a nossa língua e não ficam insensíveis ao nosso apelo. O pan-hispanismo nos surge daqui, como conclusão lógica, constituído por dois elementos estruturais: o espanholismo e o lusitanismo, “voz clamorosa de la sangre contra el pan-americanismo” - foi como definiu o pan-hispanismo no ano passado, por ocasião da Festa da Raça, no seu famoso discurso no Teatro Real de Madrid, o conde de la Montera, D. Gabriel Maura Camajo, acrescentando em seguida que ”los pueblos que se agrupen en organizaciones más amplias que la sociedad nacional, ssucumbirán bajo el imperialismo.” Suponho suficientemente enunciadas as razões que nos levam a nós, os portugueses, a não permanecer indiferentes perante o significado actualíssimo do pan-hispanismo. Prefaciando o estudo recente de Marius André sobre colonização espanhola na América, o próprio Charles Maurras acaba de reconhecer sem vacilações a sua extraordinária importância. E o Brasil, que não se esqueceu por certo dos avisos de Eduardo Prado no seu livro A Ilusão Americana, não vai abdicar das suas justas ambições de poderio e desenvolvimento, que só na liga das nacionalidades hispânicas acharão garantia sólida e perfeita. Lancemo-nos por isso à vanguarda d’uma civilização que é a nossa e que hoje diríamos sonâmbula, como que vivendo nas formas mumificadas do tempo que já não volta. O que é essencialíssimo é que os povos, de derivação peninsular, readquiram a consciência da sua finalidade superior e que o exemplo parta da Península – sua casa paterna e solar venerando. E por muito que o problema se nos afigure emaranhado e difícil, é em cada um de nós que a sus a solução reside. “Las naciones de orígen hispánico – observa novamente o conde de la Montera -, se decidirán tal vez muy pronto a buscar en la unión efusiva e fraternal com las demás hijas de la madre común, la fuerza misma que las otras les ofrecen, mediante artificiosas combinaciones diplomáticas o económicas. Prepare-se Portugal, pela sua parte, reorganizando-se como nação forte e estreitando cada vez mais os vínculos de amizade com a Espanha, nossa irmã, e com o Brasil, nosso filho primogénito. E como numa Primavera nunca vista, a flor do internacionalismo hispânico abrirá as suas pétalas de maravilha, ressuscitando a manhã longínqua em que a América se revelou em toda a sua magnífica adolescência, aos pilotos de Cristóvão Colombo e à marujada de Pedro Álvares Cabral! António Sardinha in Revista Contemporânea n.º 2