domingo, 19 de julho de 2009

René Quinton e o Tradicionalismo

Excepcionalmente, a Wikipedia traz-nos informação relevante e rigorosa. A definição nela constante de tradionalismo político estará curta e falta de uma menção mais explícita da sua confessionalidade católica, mas não deixa de se aproveitar.
"O tradicionalismo é um sistema filosófico que coloca a tradição como critério e regra de decisão, entendendo a tradição como o conjunto de hábitos e tendências que procuram manter uma sociedade no equílibrio das forças que lhe deram origem.
Segundo os tradicionalistas, as sociedades não resultam de um acto de exclusiva vontade pessoal ou de uma imposição deliberada de um grupo. Consideram que a sociedade é uma criação e não uma construção ou um mecanismo. Sendo uma criação, a sua existência é condicionada por leis naturais.
A atitude tradicionalista distingue-se da conservadora por não ser hostil às inovações políticas, sociais, individuais ou grupais. Enquanto o espírito conservador tem uma atitude que se caracteriza pela deliberação em manter a ordem social, política ou económica existente, o espírito tradicionalista é aberto à mudança e pugna frequentemente pela mudança. A mudança, porém, deve realizar-se sem romper com os antecedentes morais que são o fundamento de uma dada sociedade. O tradicionalismo reage normalmente de forma negativa às revoluções, em especial aquelas que pretendem fazer tábua rasa do passado e do fundamento moral que constituiu uma dada sociedade. Para o tradicionalista, deve ser a história, e não as nossas predilecções doutrinárias, o melhor guia na determinação dos regimes políticos. Se uma dada instituição, como a Instituição Real por exemplo, foi derrubada, é decerto contraproducente tentar voltar atrás e reerguê-la tal como existia, mas deverá ser observado se a função que essa instituição desempenhava encontrou um substituto capaz.
No início do século XX, o tradicionalismo recebeu um contributo insuspeito da ciência nas descobertas de René Quinton, com a "lei da constância do meio vital dos seres". Nessa lei, Quinton não negou a Evolução mas concretizou-lhe as possibilidades: os organismos vivos, para se manterem, procuram sempre restabelecer a pureza do seu meio vital, isto é, procuram manter a inviolabilidade das circunstâncias especiais que os geraram e de cuja guarda e duração depende a sua existência. Os tradicionalistas viram aí uma estrondosa confirmação do princípio tradicionalista: "res eodem modo conservatur quo generantur". As coisas existem pelas mesmas razões porque se geram.
A renovação da biologia seguiu o seu próprio caminho, mas ajudando a destronar o rudimentar ideário do Progresso indefinido. Situado na órbita dos fenómenos sociais, o tradicionalismo continua a entender a política como uma realidade, ou uma experiência, garantida e comprovada pelo decurso da história. As instituições do passado não são boas por serem antigas, mas são antigas por serem boas – é uma famosa máxima tradicionalista. Foram tradicionalistas autores como Bonald, Taine, Galéot, Bourget. Em língua portuguesa, no século passado, distinguiram-se autores do Integralismo Lusitano como Luís de Almeida Braga, António Sardinha ou Hipólito Raposo."
Este definição remete-nos por meio do integralismo lusitano (onde não se esgota o tradicionalismo político português do século passado, muito embora muitas vezes o mesmo seja feito crer) para uma excelente exposição sobre o referido movimento feita por um insuspeito... democrata. Raúl Proença. Chama-se Acerca do Integralismo Lusitano (2) e faz parte da acesa polémica gerada entre aquele autor e o integralista Alberto de Monsaraz, que se pode encontrar no acervo do sítio Unica Semper Avis.
(...)A democracia é a política das ideias. Não atendendo à experiência histórica da humanidade no seu conjunto e à de cada nação em especial, ela pretende modelar a vida de cada país pelas normas abstractas da razão, impondo-se violenta e artificialmente a realidades indestrutíveis. A democracia é assim uma constante violação dos factos concretos, um permanente desrespeito da vida essencial das nações. Mais do que a inssureição do indivíduo contra a espécie, como a definia Comte, ela é verdadeiramente a inssureição da razão contra a natureza, dos princípios contra os factos.
O seu primeiro êrro, de que derivam a maior parte dos outros, é a adopção do método do livre exame, que aniquila todas as disciplinas tradicionais, faz tábua rasa do passado e põe a cada geração o problema duma nova criação social. O livre exame, filho do espírito protestante, dissemina no mundo os germens da anarquia. Com a dissolução dos dogmas, perverte todos os instintos sociais, ataca a essência de toda a vida social, origina a rebelião do indivíduo contra as condições fundamentais dessa própria vida. As normas que dirigem uma sociedade deixam de ser o fruto duma longa experiência secular, para passar a ser as fantásticas abstracções dos cérebros individuais.
O indivíduo arroga-se direitos; quando, no fundo, não tem senão deveres. A verdade é que o homem não pode ser livre. Deve obediência a seus pais enquanto forem vivos, porque «os filhos não são mais do que um prolongamento dos pais». Deve obediência aos seus superiores e ao seu Rei; assim como aos dogmas tradicionais da sua raça. Com a ilusão da liberdade, veio ao mundo a ilusão da igualdade, desmentido absoluto das realidades concretas, pois que não há no mundo dois seres inteiramente iguais. A natureza é essencialmente anti-igualitária: em toda ela vemos a realidade das diferenças, dos privilégios e da hierarquia- E com a negação do facto histórico da tradição, a democracia inventou o maior dos absurdos teóricos: a noção do progresso nas consciências individuais e nas formas da vida social. A ilusão do progresso é a doutrina de Satan revoltando-se contra Deus. «A crença no progresso baseia-se inicialmente na ideia grosseira da bondade natural do homem. Ora, provado como está que os instintos humanos são maus e que dêsses maus instintos resulta naturalmente a necessidade dos quadros sociais, fica destruída pela base a ideia que tantos milhares de espíritos tem atraído e sacrificado.»
Demais as leis biológicas de René Quinton vieram dar a esta grosseira ilusão o seu golpe definitivo. O sábio francês mostrou que a vida procura sempre manter as condições do seu meio originário. Se queremos viver, temos, pois, de ser fisiologicamente reaccionários. A vida não é outra coisa senão uma afincada manobra de permanência; e a evolução não significa mais que a procura persistente, sempre activa e voluntária, por vezes complicada e capciosa, dos meios próprios para manter a fixidez do primitivo meio. Cada nação assenta assim «num inviolável meio vital, o qual consiste no equilíbrio constante das condições especiais de que o agregado brotou, valendo a alteração delas pela queda insanável do organismo.» A primeira condição, pois, de toda a política scientífica é respeitar as primitivas instituições de cada povo, os seus antigos costumes, crenças e tradições, aquêles que constituíram o seu «meio originário». E não era já um axioma da sociologia moderna que os mortos governam os vivos, o que equivale a dizer que uma nação não poderá viver se não fôr condicionada pelos ditames da sua tradição - se os berços não fôrem embalados sôbre os túmulos? (...)

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