segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Contra a Lenda Negra: Filipe II de Espanha - Um Agente de Concórdia Peninsular

Por muito que atraia o mal querer de alguns dos meus compatriotas menos informados, menciono o caso de um Rei pouco compreendido e erradamente julgado pela história: Filipe II de Espanha – Filipe I de Portugal. Será escusado apresentar aqui uma nota biográfica genérica de Filipe II… ater-me-ei à sua relação com Portugal, menos conhecida, e à desmistificação de algumas afirmações correntes e tidas por verdades históricas em Portugal que, provadas falsas, me levam a eleger Filipe II como um agente da Concórdia Peninsular. RELAÇÃO COM PORTUGAL (Da Wikipedia a Enclopedia Livre)“Educado por cortesãos portugueses nos primeiros anos de vida, Filipe teve o português como primeira língua até a morte da mãe e cortava a barba à moda portuguesa. Filipe, em 9 de dezembro de 1580, atravessou a fronteira, entrou em Elvas, onde se demorou dois meses recebendo os cumprimentos dos novos súditos. Dos primeiros que o veio saudar foi o duque de Bragança. A 23 de fevereiro de 1581 Filipe II saiu de Elvas, atravessou triunfante e demoradamente o país, e a 16 de março de 1581 entrou em Tomar, para onde convocara cortes. Distribuiu recompensas, ordenou suplícios e confiscos, e recebeu a noticia de que todas as colónias haviam reconhecido a sua soberania, exceptuando a Ilha Terceira, onde se arvorara a bandeira do prior do Crato, ali jurado rei de Portugal a 16 de abril de 1581. Nas cortes, prometeu respeitar os foros e as isenções e nunca dar para governador ao país senão um português ou um membro da família real. Expediu de Lisboa tropas que subjugaram a ilha Terceira, em que D. António fora auxiliado pela França, e partiu para Espanha depois da vitória naval de Vila Franca, em que o Marquês de Santa Cruz destroçou a esquadra francesa em 26 de Julho de 1582, obtendo a submissão da ilha.” Há uma correcção a fazer ao texto da Wikipedia, pois também Macau (além da Ilha Terceira) não hasteou a bandeira Habsburgo. Todavia saltam à vista várias contradições com afirmações correntes pela sociedade, escolas e círculos culturais portugueses. Vejamos: 1 – “D. Filipe II usurpou o trono português.” Falso. Em 1580 havia uma crise dinástica em Portugal. O Cardeal-Rei D. Henrique morrera sem herdeiros (como seria de esperar) e a pretensão de D. Filipe II ao trono português era tão ou até mais válida que outras: D. Filipe II era sobrinho, pelo lado materno, do Cardeal-Rei. Citarei o excelente estudo de Pedro Cardim “Política e Identidades Corporativas no Portugal de Filipe I”, como outras vezes para diante. Diz o autor: “(…)Na verdade e como demonstrou recentemente Mafalda Soares da Cunha, a inexistência de normas de sucessão dificultou bastante a avaliação dos fundamentos legais invocados pelos diversos candidatos. Coexistiam vários regimes sucessórios e havia, para além disso, a possibilidade da Assembleia de Cortes intervir, declarando o trono vago e apresentando-se como a entidade competente para decidir quem tinha direito a ocupá-lo.(...)”. Não havia pois, nenhuma pretensão ao trono mais válida que a D. Filipe II: a defesa que fez, pelas armas, dos seus direitos ao trono português, foi a que faria qualquer outro candidato, nascido ou não em Portugal, em semelhante cenário. 2 – “D. Filipe II conquistou Portugal para a Coroa de Espanha”.Falso. Foi o próprio Rei D. Filipe II que se recusou a tratar Portugal como reino conquistado, apesar da divisão das opiniões contemporâneas. Cito novamente o estudo de Pedro Cardim: “(…)O enviado veneziano a Madrid, Matteo Zane escrevia que « Portogallo è regno conquistato et come tale si deve trattare à differentia dell altri che si sono dati volontariamente et à perció si devi guardari li privileggi et li patti accordatti id che non è necessário com questi…». De facto, da parte de alguns portugueses houve alguma resistência armada contra as forças chefiadas pelo Duque de Alba e D. Filipe teve a oportunidade de declarar que Portugal era uma conquista, quer dizer, poderia ter tirado partido dessa situação e alterado os foros do reino, adaptando-os às suas conveniências. Contudo e contra tudo o que seria de prever, D. Filipe decidiu noutro sentido, acedendo a dialogar com os «três estados do reino», numa reunião das Cortes de Portugal.(…)”. 3 – “D. Filipe II não tinha a estima do povo português quando se tornou rei.” Falso. Voltaria ao texto informativo da Wikipedia: “Filipe, em 9 de dezembro de 1580, atravessou a fronteira, entrou em Elvas, onde se demorou dois meses recebendo os cumprimentos dos novos súbditos. Dos primeiros que o veio saudar foi o duque de Bragança. A 23 de fevereiro de 1581 Filipe II saiu de Elvas, atravessou triunfante e demoradamente o país, e a 16 de março de 1581 entrou em Tomar, para onde convocara cortes”. Quatro meses para atravessar 160 km. Quatro meses de banhos de multidão, de sessões de beija-mão e vassalagem (nem sempre desinteressada mas não mais do que noutras ocasiões). Tomaram os políticos mais populistas de hoje em dia granjear tanta estima. 4 – “D. Filipe II desprezava Portugal.”Falso. Começaria por fazer a este título citação de um texto que pode ser encontrado no sítio http://www.agencia.ecclesia.pt/: “(…)Quando, mercê das vicissitudes históricas que se sucederam à morte de D. Sebastião, e ao facto de o Cardeal D. Henrique na regência do Reino, não deixar sucessores dinásticos em Portugal, ter sido o rei Filipe II de Espanha, (que foi Filipe I de Portugal) – conforme foi jurado nas Cortes de Tomar em 1581 – logo o soberano chamou a si promover uma compilação de Leis – Ordenações – a partir das quais, entre outras decisões, optou por alvarás de criação de novas Misericórdias, não só em Portugal, mas também em terras de longe, como nas Filipinas e paragens várias do Pacífico. É que, conhecimento que teve da Misericórdia de Lisboa e da de Almada, logo optou por visitá-las e onde foi recebido com todos os protocolos institucionais, sendo feito Irmão honorário em ambas.Recebido com honras de rei, já não as aceitou na despedida, recusando-se ao beija-mão, com esta observação significativa: “Vim como rei, parto como irmão; e é como irmão que vos abraço”. Não poderia ser de outra forma. Não se despreza a terra natal da nossa mãe e da pátria da nossa primeira língua. Mas há mais testemunhos, que posso citar do já referido estudo de Pedro Cardim: “(…) À medida que iam sendo divulgadas as notícias que davam conta da postura conciliadora de D.Filipe, houve quem considerasse que o rei católico foi demasiado brando com os seus novos súbditos portugueses. Um dos que manifestou essa opinião foi ao atrás citado Zuan Franceso Morosini. A 26 de Dezembro de 1580 escrevia esse diplomata veneziano, com algum desagrado que «[D. Filipe] procura in tutte le sue attione di conformarsi pio que puo com li costumi, che usano li Re di Portogallo com quei populi…»(…)”. Passou, de resto, dois anos inteiros em Portugal, logo após a concretização da Monarquia Hispânica. 4 – “D. Filipe II foi um rei tirânico e sanguinário.”Mais uma vez falso. Não foi sanguinário em Portugal mais do que outros reis portugueses nascidos nativos. Repare-se que mandou abafar militarmente a revolta da Ilha Terceira, nos Açores, apenas depois de quase um ano e meio de insubmissão da ilha, ano e meio de constante e provada negociação após o qual atacou mais pelo chegada de uma esquadra francesa à ilha para se aproveitar do movimento de insurreição (a cobiça de Catarina de Médicis cobiçava ainda um trono a que tinha uma pretensão muito pouco fundamentada, em termos de parentesco), que por qualquer outra razão. Cuidado “diplomático” bem pouco comum à época. Outras houve, mais pequenas, e as mortes infligidas para as sufocar, sempre de lamentar, não sobressaem pela crueldade, de muitas outras da época, muito pelo contrário. “Nas cortes, prometeu respeitar os foros e as isenções e nunca dar para governador ao país senão um português ou um membro da família real.” Com esta posição e segundo Pedro Cardim: “(…)as condições estabelecidas na «Patente» representavam como que um contrato entre o monarca e o seu novo reino, no qual se definia a modalidade da integração de Portugal na Monarquia Hispânica. Esse contrato era regulado, sobretudo por imperativos morais, ou seja, estabelecia um a obrigação de obediência que pesava quer na consciência dos vassalos, quer na do rei. Enquanto o monarca respeitasse esses compromissos, os vassalos tinham a obrigação de manter a obediência ao seu senhor; porém se o rei não cumprisse aquilo que havia prometido, os vassalos poderiam deixar de estar obrigados a essa obediência.(…)” . Conclusão: D. Filipe II de Espanha / Filipe I de Portugal foi um Grande Hispano e um Agente da Concórdia Peninsular: Uniu sem usurpar, negociou quando podia impôr, fez-se estimar por quem o podia odiar, aprendeu a amar um reino que não conhecia e reinou sábia e justamente - para os padrões da sua época. Cumpriu a sua promessa para com o povo português e teve dele, lealdade e vassalagem até sua morte. D.Filipe III e D. Filipe IV não honraram a sua palavra e com isso destruíram, por muito tempo, a concórdia que esse grande rei construíra.