Retirado do excelente blog Reconquista
Um texto de Rafael Gambra
Rafael Gambra (1920-2004)
O sentido das coisas em dois aspectos, um espacial e outro temporal. A “Terra dos homens” é mansão no espaço e rito no tempo. O homem constrói seu albergue no espaço, e esse albergue possui limites, aposentos, estruturas. E cada aposento, um sentido e também um mistério intransferível.Como cada flor é em si mesma, a negação das demais. É a mansão história, feita substancia da vida, o que o homem ama; não a construção teórica, em série, da qual só se serve. “Resultará-lhe impossível amar – lemos em Cidadela – uma casa que não tenha rosto próprio e onde os passos não tenham sentido. Havia (no palácio de meu pai) uma sala reservada aos principais embaixadores e que se abria somente ao sol dos grandes dias; havia aquelas outras em que se fazia justiça e aquela onde se levava os mortos; e aquela, enfim, sempre vazia, cuja utilidade nunca se conheceu, e que talvez não tivesse nenhuma salvo a de ensinar o respeito e o sentido do mistério e que conhece profundamente as coisas...” Este sentido espacial-estrutura humana das coisas é produto, antes de tudo, de uma aceitação; depois, da continuidade, o costume e a tradição.Aceitação antes de tudo de uma transcendência divina e da religação a ela em um destino comum. Historiadores, Geógrafos, economistas, explicam por fatores coincidentes ou dissociados o brotar histórico dos povos ou a gênese das grandes civilizações. Sem embargo, nada haveria unido os árabes nem os haveria lançado sobre o mundo sem a misteriosa acolhida de uma mensagem superior que fez irromper vitorioso o que dormia na dispersão e na passividade. Daqui que nada mais inadequado e dissolvente para toda religião que aplicar o método analítico racional a seus fundamentos religadores, fazendo-lhes abstratos, universais, intercambiáveis: este método, que pode usar-se com eficácia em realidades convencionais e finalistas, como a economia e o governo humano, resulta essencialmente aniquilador o fato religioso, que é, antes de tudo, aceitação transcendente, misteriosa, e depois, comunhão e fidelidade.Aceitação, em segundo término, de uma ordem existencial na qual o meio se faz mansão e o tempo adquire uma fisionomia; concreção histórica que se realiza na remota e legendária gênese de cada povo, e que se santifica com o passo das gerações e a memória sagrada dos que nos precederam.
(GAMBRA, Rafael. El silencio de Dios, prólogo de Gustave Thibon, Editorial Prensa Española, Madrid, 1968, pp.78-80)